Tostão
A antiga e inapropriada
discussão entre futebol-arte e futebol de resultados será ainda mais frequente
até a Copa, por causa do fim do sonho de trazer Guardiola, símbolo do futebol
bem jogado e bonito, e do retorno de Felipão à seleção, representante do
futebol de resultados, embora, como todo bom técnico, tenha sucessos e
fracassos.
Após a Copa de 1966, vencida pelos
ingleses, só se falava, no Brasil, do fim do jogo moleque, inventivo e
imprevisível das seleções de 1958 e 1962 e do novo futebol dos europeus, de
resultado, força, disciplina tática, velocidade e objetividade.
Apenas quatro anos depois, após a Copa
de 1970, o grande cineasta italiano Pasolini disse que a poesia brasileira
tinha vencido a prosa italiana. Chico Buarque escreveu que os europeus eram os
donos do campo, e os brasileiros, da bola. Hoje, não somos mais os donos do
campo nem da bola. Não aprendemos a utilizar os espaços e damos a bola com
facilidade ao adversário.
Entre 1974 e 1994, o Brasil não ganhou a
Copa do Mundo, porque havia seleções melhores. A de 1982 foi exceção. Encantou,
mas não venceu. José Miguel Wisnik, em seu excepcional livro "Veneno
remédio", escreveu sobre esse período: "Predominava a ideia de que
era preciso adotar um jogo eminentemente coletivo, tecnicamente responsável,
compactamente defensivo, fisicamente forte e que abrisse mão de devaneios
individualistas".
De 1994 até hoje, nas vitórias e nas
derrotas, continuaram as discussões sobre o futebol-arte e de resultados.
As maiores equipes de todos os tempos,
com vários estilos, sempre atuaram, primeiro, para vencer. A seleção de 1970
jogava um futebol de prosa e de poesia. Unem o pragmatismo criativo e o jogo
coletivo com o talento individual e as fantasias. "A linha reta não
sonha" (Oscar Niemeyer). Quando as grandes equipes perdem não é porque não
são competitivas. Dezenas de detalhes, que, muitas vezes, duram uma fração de
segundos, mudam a história de um jogo. "A vida é um sopro" (Oscar
Niemeyer).
A arte necessita da técnica. Já a
técnica sem a arte tende ao tecnicismo e à ineficiência. O que não se pode é
confundir firula, habilidade sem técnica, com arte.
Infelizmente, um grande número de
pessoas envolvidas profissionalmente com o futebol apenas se preocupa com o
resultado, com os estereótipos, com o imediatismo e com as manchetes
bombásticas.
A discussão entre futebol-arte e de
resultados transcende o futebol. Faz parte das eternas dúvidas humanas entre a
razão e a imaginação, o desejo e a ética, o real e o simbólico, e tantas outras
dualidades. Quando vejo o Barcelona jogar, um time que une o individual com o
coletivo, a beleza com o resultado e a utopia com a realidade, atenuam-se
minhas dúvidas futebolísticas e existenciais.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 09/12/2012.
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